Potosí: do reino da prata à pobreza e morte

Potosí: do reino da prata à pobreza e morte

No coração dos Andes bolivianos, a cidade de Potosí se ergue como testemunha silenciosa de séculos de prosperidade e exploração. Em 1545, Diego Gualpa, um garimpeiro indígena, descobriu o depósito de prata mais rico do mundo numa montanha com mais de 4 mil metros, que ficaria conhecida como Cerro Rico (termo espanhol que significa “montanha rica”). 

Este acontecimento desencadeou uma transformação inimaginável, levando Potosí a se tornar uma das maiores — e mais altas — cidades do mundo, rebatizada por Filipe II de Espanha como Villa Imperial de Potosí.

No século XVI, acredita-se que a população da cidade tenha ultrapassado os 200 mil habitantes, tornando-se maior do que várias cidades famosas da Europa.

Mar de prata

A montanha de Cerro Rico é de onde nasce a prata de Potosí. (Fonte: GettyImages/ Reprodução)A montanha de Cerro Rico é de onde nasce a prata de Potosí. (Fonte: GettyImages/ Reprodução)

A prata de Potosí alimentou uma rede internacional que conectou continentes, abastecendo a Europa e a Ásia após 1550. A prata era levada por lhamas através dos Andes bolivianos até o Peru, de onde subia até chegar ao istmo do Panamá, podendo assim cruzar o Atlântico em direção à Espanha e, consequentemente, à Europa. 

A partir de 1565, a prata começou a ser trafegada pelo Oceano Pacífico em direção à Manila, nas Filipinas, que na época pertencia ao Império Espanhol. De Manila, a prata era levada até a China. 

Com tanto poder gerado pelas grandes quantidades de minerais que brotavam de Cerro Rico, Potosí se apresentou como epicentro do primeiro grande desenvolvimento do intercâmbio intercontinental global, criando a primeira rede econômica e comercial verdadeiramente globalizada

Em 1574, Francisco Álvares de Toledo, vice-rei do Peru, cunhou as famosas “peças de oito” ou “dólar espanhol”, produzidas pela Casa da Moeda de Potosí e que virariam a referência econômica do mundo na época (tal qual é o dólar americano hoje). 

Entretanto, a glória de Potosí foi acompanhada por muitos problemas, pois apesar de sua grandiosidade, sua estrutura gerou crimes, poluição, exploração e muita violência.

Declínio irreversível

Ainda hoje a extração de metais tem forte presença na região. (Fonte: GettyImages/ Reprodução)Ainda hoje a extração de metais tem forte presença na região. (Fonte: GettyImages/ Reprodução)

Em meados do século XVIII, Potosí testemunhou um declínio sem volta. Impostos mais baixos e regimes de trabalho severos não foram suficientes para sustentar a produção de prata. A montanha, outrora fonte de riqueza infinita, estava esgotada.

Hoje em dia, há centenas de trabalhadores (incluindo crianças) que mineram no lugar, mas ainda em condições desumanas, perigosas e, muitas vezes, mortais. Não é à toa que Cerro Rico é também conhecida pela nada pomposa alcunha de “Montanha Comedora de Gente”.  

Como forma de se proteger desse perigo, os mineradores cultuam um demônio conhecido como El Tio (“o tio”, em português), que seria um ser do submundo que protege os trabalhadores de infortúnios. Dentre os principais perigos enfrentados estão o perigo de desabamento, a silicose (doença pulmonar gerada pela poeira inalada) e a intoxicação por gás. 

Geralmente o demônio é colocado na entrada das minas, para que os mineradores façam as suas oferendas, normalmente utilizando álcool, cigarro e folhas de coca, e assim consigam ficar protegidos.