'Crying Wolf Effect': a prática de forjar crimes contra si mesmo

'Crying Wolf Effect': a prática de forjar crimes contra si mesmo

Você já ouviu falar na famosa fábula escrita por Esopo, O menino que gritava lobo? A história é sobre um jovem pastor encarregado de cuidar das ovelhas de seu rebanho em uma região montanhosa. Muito brincalhão, ele costumava gritar “Lobo! Lobo!” mesmo quando não havia nem sinal do animal por perto, apenas para ver os aldeões que viviam próximo correr até o campo para ajudá-lo a proteger as ovelhas.

À medida que isso foi acontecendo com cada vez mais frequência, as pessoas foram ficando irritadas com o pastor, pois sua atitude estava desperdiçando tempo e recursos preciosos da comunidade. Portanto, eles começaram a desconfiar de cada vez que ele gritava por socorro. Um dia, no entanto, um lobo realmente apareceu e começou a atacar as ovelhas. Em pânico, o pastor gritou por ajuda, mas ninguém o acudiu.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Como consequência, o lobo devorou várias ovelhas do rebanho, e o pastor aprendeu uma lição valiosa: sua desonestidade e falta de responsabilidade tinham consequências graves. Ele percebeu que não podia mais confiar na ajuda dos outros por cauda de suas brincadeiras inconsequentes.

A moral dessa fábula de Esopo foi tão absorvida pelo senso comum que a expressão “lobo chorão” não só se tornou comum para se referir aos mentiroso do dia a dia, como também para patologizar os mentirosos crônicos. 

Assim nasceu o Crying Wolf Effect, para definir as pessoas que forjam crimes contra si mesmas.

Clamando atenção

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Em 2 de novembro de 2016, Sherri Papini desapareceu enquanto corria em Redding, na Califórnia. Ela foi encontrada 21 dias depois em uma rodovia a quase 200 quilômetros de sua casa. Repleta de hematomas, Papini alegou que foi torturada por duas mulheres hispânicas que a sequestraram e a mantiveram trancada em um armário.

Em um dos casos mais emblemáticos dos Estados Unidos, demorou até 2022 para que a polícia descobrisse que Papini inventou tudo. Enquanto isso, ela faturou mais de US$ 30 mil em assistência à vítima, fraudou o estado da Califórnia, e fez o Departamento Federal de Investigação (FBI) e a polícia gastaram milhares de dólares em anos de investigação. Em júri, ela revelou que forjou o próprio sequestro devido a um grau de frustração muito grande com sua vida familiar.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Os psicólogos que analisaram Papini determinaram que ela sofria do fenômeno Crying Wolf Effect (ou algo como “Efeito Gritar por Lobo” no português). Trata-se de um intenso desejo de chamar atenção das pessoas mais próximas por puro tédio ou por um sentimento de negligência. Em alguns casos, o indivíduo pode ser motivado simplesmente por se sentir ignorado pelo mundo.

Segundo a psicóloga Bonnie Jacobson, também diretora do New York Institute for Psychological Change, as pessoas que forjam crimes transformam sentimentos de invisibilidade em uma fantasia que eles acreditam que é realidade.

O problema

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Não necessariamente uma pessoa que sofre com o Crying Wolf Effect precisa de intervenção psiquiátrica. Alguém que exagera ou faz declarações falsas constantemente pode agir para buscar atenção, manipular os outros, tentar evitar responsabilidade ou lidar com problemas emocionais não resolvidos. Pelo fato de exibir esse comportamento de forma intencional ou inconsciente, é muito comum que as pessoas associem o problema sempre à saúde mental. 

Jussie Smollett, um dos protagonistas da série televisiva Empire, da Fox, é um exemplo de como o fenômeno nem sempre está associado a questões mentais. Em 2019, ele pagou US$ 3.500 a dois irmãos para atacá-lo na rua em uma falsa tentativa de linchamento, configurando crime de ódio contra si. Acredita-se que isso tenha sido uma tentativa de golpe publicitário para alavancar sua carreira ainda mais.

O poderio médico ressalta que o Crying Wolf Effect é uma questão que precisa ser conscientizada, pois pode se tornar bem mais prejudicial do que apenas desperdiçar recursos e servir como cortina de fumaça para crimes reais. O fenômeno acaba criando um ambiente social de desconfiança e descrença, prejudicando a capacidade das pessoas lidarem com problemas reais.