Uma breve história da sinestesia

Uma breve história da sinestesia

A sinestesia é um distúrbio neurológico que faz com que o estímulo de um sentido cause reações em outro, gerando uma mistura de sensações e percepções. Uma frequência sonora, por exemplo, pode se sintonizar com uma frequência de comprimento de onda de luz, virando um cor.

Pessoas com sinestesia costumam ver palavras coloridas ou sentir cheiros nas músicas, por exemplo. Por mais estranho que possa parecer, estima-se que 3,7% da população ao redor do mundo seja sinestésica.

A história da sinestesia

(Fonte: GettyImages)(Fonte: GettyImages)

Acredita-se que o primeiro registro de uma pessoa sinestésica ocorreu em 1872. Era Ellen Emerson, filha do filósofo e poeta Ralph Waldo Emerson. Aos 8 anos, ela começou a falar das cores das palavras. A menina supunha que outras pessoas percebiam as palavras da mesma forma.

Porém, antes disso, em 1812, houve o registro clínico feito por um médico de uma pessoa sinestésica polimodal — ou seja, alguém que experimenta sinestesia envolvendo mais de um sentido. Georg Tobias Ludwig Sachs teria uma “sinestesia de cores para letras do alfabeto, para tons da escala musical, para números e para dias da semana”. 

Os sinestésicos costumam se sentir assim desde a infância, e por isso chama a atenção o relato de Ellen Emerson, pois foi a primeira criança a relatar essas percepções (ou, ao menos, a ter isso documentado). A partir de 1980, os cientistas passaram a estudar as crianças sinestésicas, incluindo recém-nascidos.

A lacuna nos estudos

(Fonte: GettyImages)(Fonte: GettyImages)

Por muito tempo, a percepção sobre esse distúrbio nem existia. Apenas a partir de 1848 o termo começou a ser usado, o que fez que os dados acumulados até então não fossem registrados. 

Em 1880, Sir Francis Galton, primo de Charles Darwin, escreveu sobre “número visualizados” em uma revista científica, o que fez com que o número de artigo sobre o tema aumentasse. No mesmo ano, o oftalmologista F. Suarez de Mendoza publicou um livro em francês chamado “L’audition colorée”. Já na poesia, Charles Baudelaire e Arthur Rimbaud abordaram o tema.

Com a ascensão do behavorismo como uma abordagem da psicologia, a introspecção da experiência começou a ser menos considerada, dando menos margem para que a sinestesia fosse identificada. Sintomas subjetivos, como dor, tontura e zumbidos, foram vistos apenas pela ótica médica, ao invés de serem compreendidos como diferentes dimensões sensoriais.

Segundo Richard Cytowic, em artigo na MIT Press, por muito anos a sinestesia foi invisibilizada. “A ciência da época simplesmente não estava à altura da tarefa que lhe era apresentada. Para qualquer fenômeno ser chamado de científico, deveria ser real e repetível, ter um mecanismo plausível explicável em termos de leis conhecidas e ter implicações de longo alcance que por vezes provocam o que Thomas Kuhn chamou de mudança de paradigma”. 

Ele explica que levou muito tempo para a ciência – e, em especial, a psicologia – começar a ter ferramentas para poder analisar este distúrbio. “A natureza idiossincrática do fenômeno era um grande obstáculo que a ciência anterior não conseguia explicar, ao passo que hoje podemos explicar as diferenças entre os indivíduos em termos de plasticidade neural, polimorfismo genético e factores ambientais presentes tanto no útero como durante os anos de formação do feto”.

Hoje já se sabe muito mais sobre o funcionamento do cérebro, o que faz com que a compreensão da sinestesia esteja muito mais avançada. Ainda assim, um fato que talvez impacte que o fenômeno seja mais estudado é que esta é uma mutação genética que gera uma característica até agradável, mas aparentemente inútil. “Custa muito em desperdício de energia e dinheiro estudar a biologia supérflua, então a evolução deveria ter descartado a sinestesia há muito tempo”, explica Cytowic.